23/08/2008 The News, Paquistão    
Clipping: Servidão por dívida: um sofrimento que nunca terminou na província do Sindh 
Por Jan Khaskheli, de Karachi
Celebra-se neste dia 23 no  mundo inteiro o Dia internacional (ONU) de lembrança do tráfico de  escravos e de sua abolição. No Paquistão, algumas entidades da Província  do Sindh promovem ações expressando solidariedade àqueles que ali, até  os dias de hoje, estão levando uma vida de miséria debaixo da servidão  por dívida.
Membro da Organização para o Desenvolvimento Rural  Verde (GRDO), uma entidade que luta pelos direitos dos Haris  (trabalhadores rurais escravizados) e trabalha para sua libertação, Dr  Haider Malokhani relatou à reportagem que, em algumas áreas, os Haris  ainda continuam acorrentados durante o trabalho e são mantidos presos em  celas nas fazendas dos seus donos feudais. São vários os casos em que  mulheres e homens de uma mesma família são mantidos separados durante a  noite. Segundo relatos, fazendeiros já têm vendido para fora umas  meninas, filhas de Haris, cobrando um preço igual ao valor de suas  dívidas.
A servidão por dívida é a forma contemporânea da  escravidão na qual o dono da fazenda, da olaria ou de qualquer  empreendimento proporciona aos seus trabalhadores (haris, oleiros ou  outros) um empréstimo sob a forma de adiantamento de dinheiro; em  seguida estes têm seus direitos confiscados. Eles têm que laborar desde a  madrugada até o crepúsculo, ou tanto quanto o dono quiser. Há  restrições à sua mobilidade. Não podem exigir o pagamento de salários  conformes aos padrões em vigor na agricultura ou no setor de olaria. Os  patrões justificam sua posição alegando que os trabalhadores estão em  dívida com eles e estão sem condições de quitar essa divida. No entanto,  contradizendo essa tese, militantes de direitos humanos afirmam que os  próprios donos de terra estão sonegando aos seus agregados a parte que  lhes cabe na produção das lavouras. Por isso o valor das dívidas  contraídas vai multiplicando a cada dia que passa enquanto famílias  inteiras trabalham sob o fardo da dívida. Mulheres e crianças são  inclusive as mais afetadas por este sistema.
Em violação com as  leis existentes, em Sanghar, Umarkot, Mirpurkhas e partes dos  departamentos de Badin e de Thatta, um punhado de fazendeiros influentes  adotaram regras estritas para privar as famílias pobres de sua quota  nas colheitas e assim mantê-las à força na fazenda. Citando a Pesquisa  sobre a Agricultura no Paquistão, Haider Malokhani disse que cerca de  1,8 milhão de Haris estão sob o regime de servidão por dívida nestes  cinco departamentos e que, até hoje, em torno de 35 mil deles foram  resgatados pela ação de autoridades públicas, partidos políticos ou  outras entidades da sociedade civil.
Segundo informam os  ativistas, 90% das comunidades vítimas pertencem a minorias étnicas ou  religiosas tais como Bheel, Kolhi, Manghwars e Cristãos, ao lado de  algumas famílias Muçulmanas marginalizadas. Especialmente em povos Indus  pertencentes a baixas castas, famílias recorrem a empréstimos de  dinheiro junto aos seus donos de terra só para ter como garantir a  vivência de seus costumes.
A dívida é como que uma teia de ferro  na qual o pobre fica preso. Na sequência dos pais, os filhos e as filhas  passam a ser presos na teia e permanecem escravos para o resto da vida.  Os fazendeiros fixaram limites à capacidade de endividamento de cada  pessoa. Se a família inteira, nela incluindo a criança de 5 anos, passa  deste limite, o pai pode vir a ter que solicitar novo empréstimo em nome  de uma criança ainda não nascida.
Infelizmente não existe nenhuma  lei para tirar essa gente de um tratamento tão brutal e desumano. Não  podem gozar dos direitos que a Constituição do país lhes reconheceu. No  entanto, segundo os ativistas, o Dr Iftekhar Mohammed Choudhry, ex-  Procurador Geral da República (nb: ele foi cassado pelo então Presidente  Pervez Musaharraf) tem chamado para si a iniciativa de autuar certos  grandes proprietários, forçando-os a libertar imediatamente famílias  escravizadas.
Ishaque Mangrio, contista, escreve que a cada vez  que uma calamidade natural atinge alguma região, causando enormes perdas  nas lavouras, o governo decreta indenizações para as populações  afetadas, mas estas somente beneficiam os fazendeiros e nunca seus  agregados, embora supostamente meeiros com igual direito na produção.  Segundo ele, a Lei de Aforamento de Terra de 1972 estipulou que o  proprietário deve contribuir com a semente e com 50% do total das  despesas nas lavouras de arroz, trigo ou cana-de-açucar e na colheita do  algodão. Mas os proprietários violam a lei e colocam a integralidade  dos encargos sobre os pequenos agricultores. Por ironia, mesmo após a  introdução de maquinário na agricultura, estes continuam assumindo a  totalidade das despesas das culturas.
Ao comentar a situação  atual, Heider Malokhani disse que o governo do Sindh, do PPP (Pakistan  Peoples Party, partido da falecida Benazir Bhutto), anunciou, alguns  dias atrás, a distribuição de terras públicas a camponeses sem terra,  mas ainda não se sabe o quanto dessas terras será destinado à  reabilitação de agricultores egressos da escravidão. Além disso, o  governo alocou um fundo de 100 Milhões de rupias para os Comitês de  Vigilância Distritais (DVC) e promulgou uma Lei de Abolição do Sistema  de Servidão por Dívida, mas esses esforços não trouxeram por enquanto  nenhuma mudança significativa na vida dos agricultores retirados da  escravidão.
Para celebrar o dia internacional de lembrança do  tráfico de escravo e de sua abolição, GRDO organiza, em Hyderabad, uma  Convenção dos operários de olarias para domingo 24 de agosto, pois estes  enfrentam problemas semelhantes. Espera-se a participação de cerca de  400 delegados vindo de todo o país.