Clipping: Servidão por dívida: um sofrimento que nunca terminou na província do Sindh
Por Jan Khaskheli, de KarachiCelebra-se neste dia 23 no mundo inteiro o Dia internacional (ONU) de lembrança do tráfico de escravos e de sua abolição. No Paquistão, algumas entidades da Província do Sindh promovem ações expressando solidariedade àqueles que ali, até os dias de hoje, estão levando uma vida de miséria debaixo da servidão por dívida.
Membro da Organização para o Desenvolvimento Rural Verde (GRDO), uma entidade que luta pelos direitos dos Haris (trabalhadores rurais escravizados) e trabalha para sua libertação, Dr Haider Malokhani relatou à reportagem que, em algumas áreas, os Haris ainda continuam acorrentados durante o trabalho e são mantidos presos em celas nas fazendas dos seus donos feudais. São vários os casos em que mulheres e homens de uma mesma família são mantidos separados durante a noite. Segundo relatos, fazendeiros já têm vendido para fora umas meninas, filhas de Haris, cobrando um preço igual ao valor de suas dívidas.
A servidão por dívida é a forma contemporânea da escravidão na qual o dono da fazenda, da olaria ou de qualquer empreendimento proporciona aos seus trabalhadores (haris, oleiros ou outros) um empréstimo sob a forma de adiantamento de dinheiro; em seguida estes têm seus direitos confiscados. Eles têm que laborar desde a madrugada até o crepúsculo, ou tanto quanto o dono quiser. Há restrições à sua mobilidade. Não podem exigir o pagamento de salários conformes aos padrões em vigor na agricultura ou no setor de olaria. Os patrões justificam sua posição alegando que os trabalhadores estão em dívida com eles e estão sem condições de quitar essa divida. No entanto, contradizendo essa tese, militantes de direitos humanos afirmam que os próprios donos de terra estão sonegando aos seus agregados a parte que lhes cabe na produção das lavouras. Por isso o valor das dívidas contraídas vai multiplicando a cada dia que passa enquanto famílias inteiras trabalham sob o fardo da dívida. Mulheres e crianças são inclusive as mais afetadas por este sistema.
Em violação com as leis existentes, em Sanghar, Umarkot, Mirpurkhas e partes dos departamentos de Badin e de Thatta, um punhado de fazendeiros influentes adotaram regras estritas para privar as famílias pobres de sua quota nas colheitas e assim mantê-las à força na fazenda. Citando a Pesquisa sobre a Agricultura no Paquistão, Haider Malokhani disse que cerca de 1,8 milhão de Haris estão sob o regime de servidão por dívida nestes cinco departamentos e que, até hoje, em torno de 35 mil deles foram resgatados pela ação de autoridades públicas, partidos políticos ou outras entidades da sociedade civil.
Segundo informam os ativistas, 90% das comunidades vítimas pertencem a minorias étnicas ou religiosas tais como Bheel, Kolhi, Manghwars e Cristãos, ao lado de algumas famílias Muçulmanas marginalizadas. Especialmente em povos Indus pertencentes a baixas castas, famílias recorrem a empréstimos de dinheiro junto aos seus donos de terra só para ter como garantir a vivência de seus costumes.
A dívida é como que uma teia de ferro na qual o pobre fica preso. Na sequência dos pais, os filhos e as filhas passam a ser presos na teia e permanecem escravos para o resto da vida. Os fazendeiros fixaram limites à capacidade de endividamento de cada pessoa. Se a família inteira, nela incluindo a criança de 5 anos, passa deste limite, o pai pode vir a ter que solicitar novo empréstimo em nome de uma criança ainda não nascida.
Infelizmente não existe nenhuma lei para tirar essa gente de um tratamento tão brutal e desumano. Não podem gozar dos direitos que a Constituição do país lhes reconheceu. No entanto, segundo os ativistas, o Dr Iftekhar Mohammed Choudhry, ex- Procurador Geral da República (nb: ele foi cassado pelo então Presidente Pervez Musaharraf) tem chamado para si a iniciativa de autuar certos grandes proprietários, forçando-os a libertar imediatamente famílias escravizadas.
Ishaque Mangrio, contista, escreve que a cada vez que uma calamidade natural atinge alguma região, causando enormes perdas nas lavouras, o governo decreta indenizações para as populações afetadas, mas estas somente beneficiam os fazendeiros e nunca seus agregados, embora supostamente meeiros com igual direito na produção. Segundo ele, a Lei de Aforamento de Terra de 1972 estipulou que o proprietário deve contribuir com a semente e com 50% do total das despesas nas lavouras de arroz, trigo ou cana-de-açucar e na colheita do algodão. Mas os proprietários violam a lei e colocam a integralidade dos encargos sobre os pequenos agricultores. Por ironia, mesmo após a introdução de maquinário na agricultura, estes continuam assumindo a totalidade das despesas das culturas.
Ao comentar a situação atual, Heider Malokhani disse que o governo do Sindh, do PPP (Pakistan Peoples Party, partido da falecida Benazir Bhutto), anunciou, alguns dias atrás, a distribuição de terras públicas a camponeses sem terra, mas ainda não se sabe o quanto dessas terras será destinado à reabilitação de agricultores egressos da escravidão. Além disso, o governo alocou um fundo de 100 Milhões de rupias para os Comitês de Vigilância Distritais (DVC) e promulgou uma Lei de Abolição do Sistema de Servidão por Dívida, mas esses esforços não trouxeram por enquanto nenhuma mudança significativa na vida dos agricultores retirados da escravidão.
Para celebrar o dia internacional de lembrança do tráfico de escravo e de sua abolição, GRDO organiza, em Hyderabad, uma Convenção dos operários de olarias para domingo 24 de agosto, pois estes enfrentam problemas semelhantes. Espera-se a participação de cerca de 400 delegados vindo de todo o país.
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